Atos contra a sexualização feminina nos esportes vieram para ficar. E esses são os motivos

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Atletas de handeball norueguesas foram multadas no Campeonato Europeu em R$ 9,2 mil por substituírem as tradicionais tangas por shorts mais discretos. Nas Olimpíadas do Japão, o time de ginastas artísticas alemãs, sob olhares perplexos, apresentou-se no treino de pódio usando calças ao invés dos tradicionais collants minúsculos. Em entrevista, afirmaram que o uniforme escolhido era um manifesto mundial pela liberdade ao se vestir e contra a sexualização das mulheres nos esportes. Por simples curiosidade, mostrei as referidas e polêmicas imagens da vestimenta destas atletas a uma criança de 6 anos, e ela simplesmente perguntou: “O que elas fizeram de errado, tia Bia? Elas venceram? ”

Esses fatos fizeram-me lembrar de uma qualidade mal explicada e pouco compreendida em tempos de sensualização brutal que nos assalta diariamente e transforma a mulher em um “objeto”, nada belo – apenas vendável e usurpável. Essa qualidade é o pudor, algo que pode soar à beatice, mas não tem nada a ver com isso, e sim com beleza, valorização da intimidade e da personalidade da mulher.

Unindo várias definições filosóficas, poderia se dizer que pudor é um ato firme em defesa da dignidade pessoal, disposição estável ligada à prudência, que guia a inteligência e a vontade para impermeabilizar a essência do ser humano às indelicadezas do mundo. Dito de outra forma, bem informal, em relação ao ato de vestir-se: apresentar-se de forma belíssima, chamando a atenção para a identidade – e não para a carne. A diferença entre apresentar-se como pessoa ou como objeto.

O ato de vestir-se é repleto de um profundo significado antropológico, pois, como bem definiu Carl Kohler, em seu livro História do Vestuário, “O espírito humano não apenas constrói seu próprio corpo como também cria as roupas que o vestem”. Moda é, e sempre foi, um ato de comunicação. Quem sou eu? Onde quero chegar? Qual caminho trilhar? Quem eu quero que os outros pensem que eu sou?

Na Antiguidade, a indumentária feminina era associada ao poder e representava um importante papel na civilização. A famosa estátua cretense “Deusa da serpente” revela uma sofisticada técnica de confecção de roupas feitas em camadas separadas por faixas de requintados ornamentos, chamados volants. Não havia lycra entre 3.000 e 1.500 a.C. e a tecnologia têxtil da época já dominava a técnica do enlace mágico entre tramas e urdumes produzindo um tecido justo e elástico conhecido como kalasiris, muito utilizado por trabalhadores, guerreiros e atletas da época, devido ao conforto e sua altíssima elasticidade.
O ato de vestir-se, em 2021, especialmente no universo desportivo, deveria ser um convite a uma investigação profunda a respeito da beleza por trás da alta tecnologia têxtil desenvolvida por hábeis engenheiros nos quatro cantos deste planeta. Desfilaram por todos os pódios das Olímpiadas no Japão tecidos inteligentes como, por exemplo, roupas e máscaras antivirais que combatem o coronavírus; tecidos que liberam substâncias que relaxam, refrescam e hidratam a pele, que mantêm o corpo na temperatura ideal ou são capazes de melhorar a microcirculação sanguínea e retardar a fadiga muscular. Sobre as roupas, porém, as Olímpiadas de 2021 no Japão não trouxeram ao debate da mídia estas evoluções têxteis, mas o incômodo das atletas com a sexualização e um desejo de maior liberdade. O que é uma discussão bem mais elevada. Algo que deveria despertar a atenção e o engajamento daqueles que afirmam lutar pela valorização e “empoderamento” da mulher.

A Beleza é um valor supremo que buscamos por si só, sem ser necessário fornecermos qualquer motivo anterior, como explicam vários filósofos clássicos e, recentemente, o filósofo conservador Roger Scruton. Desse modo, a beleza deve ser comparada à verdade e à bondade.

Como consultora de moda, considero os polêmicos uniformes das atletas norueguesas e alemãs muito bonitos.

Ao que tudo indica, os juízes do Campeonato Europeu que puniram as atletas norueguesas não refletiram sobre este tema com a mesma visão, simples, pura, verdadeira e honesta da criança que entrevistei e demostraram publicamente que não gostaram dos uniformes modestos que as atletas usaram para competir.

A federação primeiro ameaçou multar as jogadoras norueguesas com 50 euros (306 reais) por pessoa e, mais tarde, desclassificá-las. Por isso, elas finalmente tiveram que disputar seu jogo contra a seleção da Hungria com o uniforme oficial. Não tiveram liberdade de escolha para manifestar a sua identidade.

Não estou dizendo que todas as mulheres têm de ter a mesma opinião sobre como manifestar conceitos tão profundos como beleza, identidade, dignidade. E isso não é um problema. Falar de beleza é adentrar um âmbito mais elevado, que se encontra suficientemente afastado de nossas preocupações cotidianas. Julgar a beleza não é apenas declarar uma preferência, esse juízo exige um ato de atenção: o que é correto, adequado, digno, atraente e expressivo?

A beleza deve ser o objeto definidor da funcionalidade, e não o contrário. A verdadeira beleza se dá quando a forma assume sua função. Fui goleira de handeball no colégio Vita et Pax em Ribeirão Preto (SP), recebemos medalha de prata nos jogos regionais, e usávamos bermudas, não tangas! Se algum treinador, ou juiz, nos obrigasse a vestir tangas minúsculas, certamente haveria uma rebelião juvenil, posto que a função seria atropelada pela ignorância estética e antiética.
A pureza de intenção e de coração refletida nesta brevíssima frase “O que fizeram de errado, tia Bia? Elas venceram?” continua ressoando aos meus ouvidos diante de toda esta polêmica. A estética não indica uma disposição puramente sensorial. Para o filósofo e teólogo Tomás de Aquino, “belo é aquilo que é agradável aos olhos”. Para Kant, belo é aquilo que agrada imediatamente e sem conceitos. O prazer que advém da beleza é sensorial ou intelectual? O belo é, sim, captado pelos sentidos, atinge um plano muito mais profundo e imaterial, que somente passa pela vista, e logo depois se interioriza. Portanto, seria indigno, reles e vulgar se restringíssemos a nossa avaliação sobre a beleza somente ao campo sensorial, pois o ser humano vai além, é um ser espiritual, sabe amar e precisa ser respeitado.

Igualmente, é preciso lembrar que modo de vestir afeta nossas emoções e comportamentos. Neurologistas são unânimes ao afirmar que há uma bagagem cognitiva tremenda no ato de vestir-se, influenciando inclusive o nosso entendimento sobre as decisões.

O debate sobre objetificação dos corpos femininos dentro do esporte é um marco na história. O verdadeiro empoderamento feminino se dá quando a nossa liberdade de escolha não é tolhida de escolher o bem, o belo, o justo e o verdadeiro. Nós somos nossas escolhas. Aplausos para as atletas norueguesas e alemãs pela excelente escolha de seus uniformes. Críticos rasos e míopes que não enxergam o pudor e a modéstia como virtudes matam aos poucos seu mundo emocional.

* Bia Kawasaki é autora do livro “Dress Code, impacto da imagem pessoal nos negócios”. Criou o Dress Code de grandes empresas como BM&F Bovespa, Banco Tokyo, Bradesco e FUJITSU. É Personal Stylist da jornalista Maria Beltrão e designer de uniformes corporativos
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